“Foi um dia de luto para a democracia”, afirmou, em entrevista ao Brasil de Fatoo conselheiro municipal de São Salvador Cayetano Cruz, integrante da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) sobre a aprovação de uma ampla reforma constitucional em El Salvador. O projeto de lei, aprovado nesta quinta-feira (31), permite, entre outros pontos, a reeleição indefinida para presidente. As mudanças sãos vistas como uma manobra para que o mandatário de extrema direita Nayib Bukele se perpetue no poder.
“Reformaram de forma ilegal a Constituição da República, estabelecendo a reeleição de forma indefinida para a presidência. É importante esclarecer que em El Salvador nosso sistema democrático não permite a reeleição, já que possui a figura da alternância no poder. Isso implica o fato de (Bukele) perpetuar-se no poder e consolidar sua ditadura”, alertou Cruz.
A medida foi aprovada por 57 dos 60 deputados da Assembleia Legislativa, controlada pelo presidente. A aprovação ocorreu em um processo acelerado, com dispensa de trâmite, sem debate público, sem tramitação em comissões e, segundo a oposição, ferindo o devido processo legislativo.
“O dia de ontem fica marcado como um dos dias mais sombrios de El Salvador, já que o partido Novas Ideias e Nayib Bukele reformam a Constituição para permitir a reeleição indefinida do presidente. Isso com o objetivo de perpetuar-se no poder e continuar aterrorizando a população de El Salvador”, pontuou Milton Beltrán, que também integra a FMLN.
A deputada Ana Figueroa, do partido de Bukele e autora da proposta, falou em “ampliação do poder popular” ao defender a reforma. “O importante é dar o poder total ao povo salvadorenho. Historicamente, a reeleição sempre existiu em El Salvador para quase todos os cargos de eleição popular sem proibições, os prefeitos podem se reeleger quantas vezes quiserem, os deputados também, mas aqui há um ponto crucial: o apoio popular”, justificou.
Em contrapartida, os deputados de oposição criticaram a aprovação, classificando-a como um retrocesso, que fere a alternância democrática, aprofunda o autoritarismo e fragiliza o sistema institucional.
A deputada Marcela Villatoro, do partido de direita Arena, criticou a falta de consulta e transparência no processo, afirmando que a democracia “morreu em El Salvador”.
Confira os principais pontos da reforma constitucional aprovada:
- Reeleição presidencial indefinida: eliminação da proibição de reeleição consecutiva, permitindo que o presidente se candidate indefinidamente;
- Extensão do mandato presidencial: aumento do período do mandato presidencial de cinco para seis anos;
- Eliminação do segundo turno eleitoral: adoção do sistema de maioria simples, dispensando a necessidade de segundo turno em eleições presidenciais;
- Unificação das eleições: alinhamento das eleições presidenciais, legislativas e municipais para o ano de 2027;
- Redução do atual mandato presidencial: antecipação do término do mandato de Nayib Bukele para junho de 2027, com a realização de novas eleições presidenciais neste ano.
Populismo e violação de direitos humanos
O contexto no qual essa reforma ocorre é marcado por um estado de exceção prolongado em El Salvador, decretado por Bukele sob a justificativa de combate às gangues e à criminalidade no país. No entanto, a repressão tem sido alvo de críticas, com mais de 90 mil pessoas presas, muitas delas sem julgamento, conforme denunciam organizações de direitos humanos.
Cayetano Cruz alerta para a manipulação da imagem internacional do país, especialmente relacionada à segurança pública, vista como modelo por políticos de extrema direita como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) e Pablo Marçal (PRTB), que visitou El Salvador durante a campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, em 2024.
“Bukele usa os recursos milionários de um país com muitas necessidades, mas cuja prioridade é a publicidade, a propaganda. Onde ele se vende como uma pessoa que combateu a criminalidade, especificamente as gangues”, pontua.
Ele ressalta que, apesar da propaganda, há vínculos documentados entre Bukele e líderes de gangues, além do uso de um regime de exceção que viola direitos constitucionais, resultando no encarceramento massivo sem julgamento.
“Não se deixem impressionar por um marketing político milionário de Bukele. Bukele não é o que ele pinta. Bukele é fascismo. Bukele é repressão. Bukele é o atraso dos povos. Isso é Bukele. Bukele não é desenvolvimento. Bukele não é segurança”, afirma.
Além disso, Cruz ressalta que Bukele é cúmplice da repressão em outros países, citando o caso dos 252 venezuelanos encarcerados em El Salvador de forma ilegal, conforme denúncias feitas por organizações de direitos humanos.
A suposta relação de Bukele com gangues foi revelada em reportagem do New York Times. O mandatário não se manifestou ao jornal sobre o caso. Já sobre críticas contra seu governo em relação a detenções e violações de direitos humanos, o presidente disse não se importar de ser chamado de ditador. “Prefiro que me chamem de ditador a ver como matam salvadorenhos nas ruas”, declarou em junho, em defesa da política de segurança adotada por seu governo.