Rastreamento do câncer: proteção real ou excesso de exames?

Rastreamento do câncer: proteção real ou excesso de exames?

Artigo Policial

Nem toda investigação é benéfica; saiba quando o rastreamento do câncer faz sentido e por que seguir protocolos pode evitar riscos desnecessários

FreepikRastreamento é a realização sistemática de exames em pessoas assintomáticas

Nem toda doença pode ou deve ser rastreada. No caso do câncero rastreamento é uma estratégia eficaz apenas quando existem evidências sólidas de que detectar precocemente a doença ou suas lesões precursoras reduz a mortalidade e melhora a qualidade de vida. Assim, não se trata de “exames preventivos” genéricos, mas de ações específicas voltadas a grupos definidos de risco, com base em idade, sexo e histórico clínico.

O que é rastreamento e como ele se aplica ao câncer?

Rastreamento é a realização sistemática de exames em pessoas assintomáticas, com o objetivo de identificar lesões pré-malignas ou tumores em estágios iniciais, em doenças onde isso impacta diretamente a sobrevida. Essa abordagem só é válida quando:

  • A doença tem um período assintomático em que pode ser detectada;
  • Existem exames com boa sensibilidade e especificidade;
  • A detecção precoce traz benefício comprovado em termos de mortalidade;
  • As intervenções após o diagnóstico precoce são eficazes e acessíveis.

Por isso, nem todo câncer é rastreável, e os programas populacionais se restringem a tipos específicos em que essas condições são atendidas.

Cânceres com rastreamento por imagem validado

Entre os tumores em que o rastreamento com exames de imagem é recomendado em contextos clínicos ou populacionais, destacam-se:

  • Câncer de mama: a mamografia, a partir dos 40 ou 50 anos (dependendo da diretriz), é indicada para mulheres com risco médio, com impacto comprovado na redução da mortalidade.
  • Câncer de pulmão: a tomografia de tórax de baixa dose é indicada para tabagistas ou ex-tabagistas pesados, entre 50 e 80 anos, com histórico de exposição significativa (30 maços-ano).
  • Câncer de colo do útero: embora a imagem não seja o método primário, o rastreamento com citologia e, mais recentemente, testes de HPV, permite identificar lesões precursoras antes da malignização.
  • Câncer de cólon e reto: a colonoscopia é o método padrão, mas a colonografia por tomografia (colonoscopia virtual) pode ser uma alternativa em populações específicas.
  • Câncer de próstata: a imagem entra como complemento em casos selecionados. O rastreamento envolve PSA e toque retal, com uso crescente de ressonância multiparamétrica em decisões clínicas.
  • Melanoma: embora o rastreamento por imagem não seja aplicado rotineiramente, o exame físico da pele e dermatoscopia fazem parte das estratégias de detecção precoce em populações de risco elevado.

O risco dos exames fora de contexto

É comum que pacientes busquem exames de imagem como forma de “check-up”, mas isso pode trazer mais riscos do que benefícios. Quando um exame é realizado fora das diretrizes:

  • Aumenta-se a chance de achados incidentais, que geram ansiedade e levam a biópsias ou procedimentos desnecessários;
  • Pode ocorrer o sobrediagnóstico, ou seja, detecção de tumores que não trariam prejuízo à saúde;
  • Há exposição à radiação em exames como tomografias, o que, em excesso, pode ser prejudicial;
  • O sistema de saúde ou o paciente arca com custos elevados sem real benefício clínico.

Protocolos baseados em evidências: quando rastrear vale a pena

A medicina atual baseia-se em diretrizes bem estabelecidas, elaboradas a partir de estudos populacionais de longo prazo. Elas definem quem deve fazer o rastreamento, com qual frequência e com qual exame. São construídas para maximizar os benefícios e minimizar os riscos, respeitando critérios de custo-efetividade, impacto clínico e segurança do paciente.

Por isso, o rastreamento deve ser sempre individualizado e orientado por profissionais de saúde, especialmente em casos com histórico familiar ou fatores de risco adicionais.

Felipe Roth Vargas (CRM 155352 SP | RQE 94668)
Radiologista e membro da Brazil Health



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