O excesso sonoro não é pano de fundo inofensivo, é um estressor biológico que ativa sistemas hormonais e neurológicos, elevando níveis de cortisol, adrenalina e pressão arterial
Em São Paulosom excessivo é praticamente sinônimo de urbanidade. Explico: o despertar já não é biológico, mas uma convocação sinfônica involuntária. O maestro? Um martelo pneumático. Os violinos? Buzinas do engarrafamento. O coro? Gritos entusiasmados das obras ao lado, compondo uma paisagem sonora hostil, marca registrada de uma “cidade vibrante”. Mesmo em espaços dedicados ao sossego como hospitaisbibliotecas ou, quem sabe, a própria alma, a saturação acústica se impõe como direito urbano.
Curiosamente, aqueles que enxergam na agressão sonora contínua um sinal de vitalidade urbana costumam ser os mesmos que tratam o sono como desperdício. Considero-os, por princípio, cidadãos perigosos, não apenas para si mesmos, mas para a saúde mental coletiva de uma sociedade que, pouco a pouco, desaprende a escutar o próprio pensamento.
A ciência é clara: o excesso sonoro não é pano de fundo inofensivo. É um estressor biológico que ativa sistemas hormonais e neurológicos, elevando níveis de cortisol, adrenalina e pressão arterial. Como explica a médica Maria Magalhães, especialista em Fatores Humanos e Segurança do Paciente: “O som contínuo é um fator de risco crítico e subestimado, comprometendo diretamente a segurança de pacientes e equipes.”
UM OMS recomenda até 40 decibéis à noite e entre 35 e 45 em ambientes hospitalares. Patamares que nossas cidades violam rotineiramente. Em hospitais, onde a recuperação deveria ser prioridade, o som excessivo compromete o sono, agrava o delirium, intensifica dores e afeta a estabilidade cardiovascular. Há aumento de infecções, risco cirúrgico e tempo de internação. A Organização Mundial da Saúde recomenda limites de 40 decibéis durante a noite e de 35 a 45 no interior de unidades hospitalares — patamares sistematicamente desrespeitados nas cidades, sobretudo em regiões vizinhas a obras públicas e privadas.
Em UTIs neonatais, o impacto é ainda mais preocupante: prematuros expostos a espaços ruidosos têm seu desenvolvimento neurológico comprometido. “Nesses ambientes sensíveis”, reforça Magalhães, “o ruído constante representa falha grave na segurança do paciente”. Entre os profissionais, os efeitos não são menores: perda de foco, falhas na escuta de alarmes e aumento de erros. Após 12 horas em lugar ruidoso, o desempenho equivale a estar levemente alcoolizado. Para qualquer um de nós, os efeitos também existem: som constante afeta concentração, sono e produtividade, piora a comunicação, favorece o isolamento e corrói silenciosamente nossa saúde.

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Complexos como o Hospital das Clínicas deveriam ser exemplo de expansão com escuta. Suas obras são necessárias, mas exigem gestão cuidadosa. Planejar horários de atividades ruidosas, usar equipamentos silenciosos, instalar barreiras acústicas, treinar as equipes e fiscalizar o cumprimento dessas medidas pode melhorar a vida de pacientes, profissionais e vizinhos. Construir onde a vida pede silêncio é, antes de tudo, um exercício de responsabilidade compartilhada.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.