O presidente Lula aproveitou um evento no Vale do Jequitinhona (MG) na quinta-feira, 24, para inflamar a militância, atacar seu antecessor e provocar o presidente dos Estados Unidos. Sobre um palanque, afirmou que Jair Bolsonaro “fugiu igual um rato” e “tem que pagar pelas m. que fez”, chamou o deputado Eduardo Bolsonaro de “moleque” e voltou a tensionar a relação com Donald Trumpdizendo que ele, se ele estiver trucando, “vai tomar um seis”. “O Trump foi eleito pra ser presidente deles. Imperador do mundo, nós não queremos. Enquanto vocês estiverem vivos defendendo a soberania desse país, ninguém de nenhum país do mundo vai dizer o que a gente tem que fazer. Nós somos os donos do nosso nariz”, afirmou o presidente.
Horas depois, foi a vez de Geraldo Alckminalçado a negociador para tentar reverter a tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos, se pronunciar. O vice-presidente reuniu alguns jornalistas para defender que as tratativas não sejam contaminadas por questões políticas ou ideológicas e disse que teve uma ligação, numa conversa “proveitosa” e “institucional” de quase 50 minutos, com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick. No diálogo, limitou-se a detalhar, ressaltou o interesse do Brasil na negociação.
A diferença de tom vem marcando o posicionamento entre o presidente e o vice. Lula optou pelo caminho político e eleitoral, enquanto Alckmin foca nas conversas de bastidores e distantes de qualquer tipo de provocação. O resultado das investidas, até aqui, é incerto. Interlocutores do governo já trabalham com a confirmação das tarifas a partir de 1º de agosto. Por isso, num cenário otimista, o esforço principal é para ao menos conseguirem adiar a data estipulada por Trump para ganhar tempo e tentar a abertura de algum canal com a Casa Branca.
Com as vias diplomáticas travadas, o governo avalia os riscos de enviar uma comitiva para tentar negociar in loco com a gestão Trump, e Alckmin já foi aconselhado a embarcar rumo aos Estados Unidos. A viagem, porém, ainda é vista como prematura por alguns de seus auxiliares, que afirmam que o governo deve, antes, alcançar algum avanço nas negociações. A comitiva, por essa estratégia, seria o último ato e aconteceria somente diante da certeza de que algum acordo sairá do papel – um cuidado adicional para se evitar vexames.
Como rota alternativa, o governo aposta suas fichas na pressão dos empresários brasileiros sobre importadores americanos que serão afetados pelo encarecimento dos produtos – missão repassada pelo vice-presidente. Em sucessivas rodadas de reuniões com empresários de setores como indústria, mineração e agronegócio, Alckmin roga o empenho dos exportadores e diz que a pressão interna pode ajudar a convencer Trump a adiar a entrada em vigor das tarifas por um período de 30 a 90 dias, abrir um canal real de negociações e evitar o que chamou de “perde-perde para ambos os países”.
Enquanto Lula já sinalizou uma possível retaliação ao tarifaço, Alckmin escuta apelos dos empresários para que não haja nenhum tipo de reação, até porque Trump avisou que, se isso ocorrer, vai aumentar a tarifa ainda mais. “O que se gente espera é que o governo brasileiro e americano negociem à exaustão no campo diplomático e que o prazo seja adiado. Mas, caso os Estados Unidos não apresentem uma proposta e a tarifa entre em vigor, que o Brasil ainda insista numa negociação sem rompimento, o que seria o pior dos mundos. Até porque nossas exportações não conseguem ser desviadas para outros mercados”, disse José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Jogada arriscada
Alckmin foi indicado para presidir um grupo de trabalho, integrado também pelos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda), por ter sido quatro vezes governador de São Paulo, uma das regiões mais afetadas com o tarifaço, e por já ter proximidade do setor empresarial, já que acumula a função de ministro da Indústria e Comércio. A dianteira das negociações lhe garantiu um maior protagonismo e, ao mesmo tempo, o maior desafio nesses três anos de governo. Indicado numa surpreendente frente ampla, o vice sempre se esforçou para não fazer sombra ao presidente e cumprir suas missões distante dos holofotes.
Agora, porém, Alckmin foi colocado no centro das atenções, vive uma agenda intensa e concede entrevistas quase que diariamente. Na avaliação de pessoas próximas a ele, a função lhe garante visibilidade em termos eleitorais e também reforça seu laço com o presidente em meio à pressão de grupos do Centrão e do MDB de cobrar a cadeira de vice para fechar um pacto pela reeleição de Lula em 2026. A jogada, por outro lado, pode ser arriscada, e, diante de uma eventual derrota nas negociações, a responsabilidade pelo fracasso pode acabar caindo em seu colo.
Na sexta-feira, 25, Lula e Alckmin participaram de uma agenda em Osasco (SP). No encontro, o presidente estimulou que a Casa Branca converse com o vice. “Ele obviamente não é rouco como eu, não é bravo como eu. Ele é todo gentil. Mas ele sabe que o Brasil tem razão”, afirmou. “Esse cara é o mais calmo que eu conheço na vida. É exímio negociador, não levanta a voz e não manda carta. Ele só quer conversar. Trump, o dia que você quiser conversar, o Brasil estará pronto e preparado para discutir. (…) É preciso conversar, e está aqui o meu conversador número um.”