O Exército de Israel afirmou no domingo 10 que realizou um ataque direcionado contra um repórter da emissora Al Jazera Em Gazamatando-o junto com outros quatro colegas. Anas al-Sharif foi acusado pelo país de liderar uma célula do grupo terrorista palestino Hamas envolvida em disparos de foguetes contra o território israelense, o que ele e a emissora do Catar negavam com veemência. A operação foi amplamente condenada por jornalistas e grupos de direitos humanos.
Al-Sharif, 28 anos, três jornalistas (Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal) e um assistente estavam em uma tenda perto do Hospital Al-Shifa, no leste da Cidade de Gaza, quando uma bomba os atingiu. Uma autoridade do hospital disse que outras três pessoas também foram mortas no ataque, incluindo um sexto repórter, Mohammad Al-Khaldi, que era freelancer.
Chamando Al Sharif de “um dos jornalistas mais corajosos de Gaza”, a Al Jazeera afirmou que a operação foi uma “tentativa desesperada de silenciar vozes em antecipação à ocupação de Gaza”. Ele já havia integrado uma equipe da agência de notícias Reuters que, em 2024, ganhou o Prêmio Pulitzer na categoria Fotografia de Notícias de Última Hora pela cobertura da guerra entre Israel-Hamas. Nesta segunda-feira, 11, uma pequena multidão se reuniu no Cemitério Sheikh Radwan, no coração da Faixa de Gaza, para homenagear e se despedir dos mortos.
“Anas Al-Sharif e seus colegas estavam entre as últimas vozes em Gaza a transmitir a trágica realidade ao mundo”, afirmou a rede do Catar.

As acusações de Israel
O Exército israelense, o IDF, admitiu a autoria do ataque, afirmando que Al-Sharif se fazia passar por jornalista enquanto, na verdade, liderava uma célula do Hamas, “era responsável por lançar ataques com foguetes contra civis e soldados israelenses” e “recebia salário diretamente do Hamas”. A Al Jazeera e Sharif já haviam negado a acusação, considerando-a infundada.
Segundo comunicado do IDF publicado nesta segunda-feira, há documentos apreendidos na Faixa de Gaza que comprovam as acusações. “O material inclui listas de integrantes, registros de treinamentos, agendas telefônicas e comprovantes de pagamento”, segundo comunicado.
Os militares israelenses também recuperaram uma postagem de Al-Sharif no X (antigo Twitter) em que ele teria comemorado o atentado terrorista no qual o brasileiro David Anijarem, nascido em Belém, foi atingido na cabeça por um tiro. Segundo o IDF, Al-Sharif chamou o assassino de “herói” e “Cavaleiro de Jerusalém”. Também foi divulgada uma foto em que o repórter aparece abraçado com Yahya Sinwar, ex-líder do Hamas assassinado no ano passado por Israel.

“Antes de vestir o colete com a inscrição ‘IMPRENSA’, suas redes sociais eram repletas de mensagens de apoio ao Hamas, glorificação do terrorismo e comemoração de atentados. No Telegram, também aplaudiu o massacre de 7 de outubro”, afirmou o Exército em comunicado, acrescentando que Al-Sharif apagou as postagens “quando passou a se apresentar como ‘jornalista’ da Al Jazeera”.

A relatora especial das Nações Unidas para a liberdade de opinião e expressão, Irene Khan, já havia declarado no mês passado que as alegações eram infundadas.
Em um comunicado no X (ex-Twitter), o escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas condenou o assassinato dos jornalistas, que qualificaram de uma “grave violação ao direito internacional humanitário”. “Israel deve respeitar e proteger todos os civis, incluindo jornalistas”, disse o texto.
O Repórteres Sem Fronteiras também se manifestou, declarando à agência de notícias AFP que “condena com veemência e raiva o assassinato reconhecido pelo exército israelense” de al-Sharif e outros jornalistas.
De acordo com o projeto Custos da Guerra do Instituto Watson para Assuntos Internacionais e Públicos, a guerra em Gaza é a mais mortal já registrada para jornalistas. O escritório de imprensa do governo de Gaza, administrado pelo Hamas, informou que 238 jornalistas foram mortos desde o início do conflito, em 7 de outubro de 2023. Já o Comitê para a Proteção dos Jornalistas afirma que pelo menos 186 profissionais da área perderam a vida nos combates.
Recado preventivo
A Al Jazeera afirmou que Al-Sharif havia deixado uma mensagem nas redes sociais para ser publicada em caso de sua morte.
O texto diz: “Nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou deturpação, esperando que Deus testemunhasse aqueles que permaneceram em silêncio.”
Em outubro passado, os militares israelenses o identificaram como um dos seis jornalistas de Gaza que, segundo alegaram, eram membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, citando documentos que, ainda de acordo com o Exército, mostravam listas de pessoas que concluíram cursos de treinamento e recebiam salários dos grupos.
“A Al Jazeera rejeita categoricamente a descrição que as forças de ocupação israelenses fazem de nossos jornalistas como terroristas e denuncia o uso de evidências fabricadas”, afirmou a rede catari em um comunicado na época.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que em julho instou a comunidade internacional a proteger Al-Sharif, afirmou em um comunicado que Israel não apresentou nenhuma evidência para sustentar suas alegações contra o repórter.
“O padrão israelense de rotular jornalistas como militantes sem fornecer evidências confiáveis levanta sérias questões sobre sua intenção e respeito à liberdade de imprensa”, disse Sara Qudah, diretora do CPJ para o Oriente Médio e Norte da África.
Al Sharif, cuja conta no X contava com mais de 500 mil seguidores, publicou na plataforma minutos antes de sua morte que Israel vinha bombardeando intensamente a Cidade de Gaza por mais de duas horas.
O Hamas afirmou que a operação direcionada pode sinalizar o início de uma ofensiva israelense. “O assassinato de jornalistas e a intimidação dos que permanecem (Sem enclave) abrem caminho para um grande crime que a ocupação planeja cometer na Cidade de Gaza”, afirmou o grupo palestino em um comunicado.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que lançará uma nova ofensiva para desmantelar os redutos do Hamas em Gaza, com a invasão e ocupação da Cidade de Gaza, maior aglomerado urbano do território.