O governo de Ruanda anunciou nesta terça-feira um acordo com a administração dos Estados Unidos para receber até 250 migrantes deportados do território americano, mesmo que eles não sejam cidadãos do país africano. A medida coloca Ruanda como o terceiro país do continente africano a firmar um entendimento desse tipo com a Casa Branca desde o retorno de Donald Trump à presidência, em janeiro deste ano.
O acordo, ainda sem detalhes públicos sobre cronograma, critérios de seleção ou contrapartidas financeiras, foi confirmado pela porta-voz do governo ruandês, Yolande Makolo, que destacou o histórico nacional de acolhimento como justificativa moral.
“Quase todas as famílias ruandesas têm memórias de deslocamento. Nossos valores sociais são baseados na reintegração e na reabilitação”, afirmou Makolo, acrescentando que os migrantes receberão formação profissional, assistência médica e apoio habitacional.
Segundo apurado pelo Brazilian Press, o entendimento permite que Ruanda tenha poder de veto sobre cada caso proposto pelos EUA, garantindo ao país africano controle sobre quem será aceito. No entanto, as nacionalidades dos migrantes, bem como eventuais compensações financeiras ou assistência técnica dos EUA, permanecem em sigilo. Imigrantes ilegais brasileiros estariam incluídos na fila de deportação para Ruanda.
O anúncio surge logo após a Suprema Corte dos Estados Unidos autorizar, em junho, a deportação de imigrantes para nações terceiras — mesmo sem garantias de segurança ou proteção aos direitos humanos. A decisão derrubou restrições que impediam o envio de pessoas a países com histórico de perseguição ou instabilidade, abrindo caminho para acordos como o firmado com Ruanda.
A Casa Branca tem intensificado negociações com 58 países ao redor do mundo para estabelecer parcerias migratórias. Sudão do Sul e Esswatini já receberam grupos de deportados nos últimos meses, muitos deles originários de nações que se recusaram a aceitá-los de volta. Em julho, cinco migrantes de países asiáticos e caribenhos foram enviados a Esswatini, enquanto o Sudão do Sul recebeu oito pessoas, apenas uma delas nacional do próprio país.
A diplomacia da deportação, como tem sido chamada internamente pela equipe de Trump, faz parte de uma campanha que o presidente classifica como a “maior operação de expulsão da história americana”. Em janeiro, Trump assinou uma ordem executiva determinando que o Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Interna buscassem acordos internacionais para contornar o impasse com países que se recusam a repatriar seus cidadãos.
Apesar do anúncio, um porta-voz do Departamento de Estado americano evitou confirmar oficialmente o pacto com Ruanda, limitando-se a dizer que os EUA “colaboram com Ruanda em uma série de prioridades comuns”, entre elas a aplicação de políticas migratórias “essenciais à segurança nacional”.
O movimento, no entanto, tem gerado forte controvérsia. Organizações de direitos humanos denunciam que países africanos estariam sendo pressionados a aceitar acordos sob ameaça de retaliações, como restrições a vistos para seus cidadãos. Nigéria e África do Sul, entre outros, já teriam sido alvo de conversas diplomáticas com esse teor, segundo fontes ouvidas pela imprensa internacional.
Ruanda, com cerca de 13 milhões de habitantes, já tem experiência em programas de reassentamento. Entre 2019 e 2025, acolheu cerca de 3 mil requerentes de asilo evacuados da Líbia em parceria com a Acnur. Em 2022, assinou um acordo semelhante com o Reino Unido, que previa o recebimento de milhares de solicitantes de refúgio britânicos. O projeto, no entanto, foi barrado por decisões judiciais e oficialmente abandonado após a posse de Keir Starmer como primeiro-ministro. Ruanda manteve os mais de US$ 300 milhões pagos adiantadamente pelo Reino Unido.
O país, governado há mais de duas décadas pelo presidente Paul Kagamé — reeleito em 2024 com 99,18% dos votos, segundo dados oficiais — enfrenta críticas internacionais por suprimir a oposição política e por seu envolvimento no conflito na República Democrática do Congo. Para ativistas, aceitar migrantes sob pressão externa pode agravar sua imagem já contestada no cenário global.
Enquanto isso, os números nos EUA seguem crescendo. Dados da AFP mostram que, em junho, mais de 60 mil imigrantes foram detidos em centros de detenção como etapa prévia à deportação — 71% sem antecedentes criminais. Casos como o dos 252 homens enviados a El Salvador em março, muitos deles posteriormente transferidos à Venezuela, revelam as condições extremas enfrentadas por deportados, com relatos de tortura, superlotação e tratamento desumano.
Com o novo acordo, Ruanda entra em um terreno ainda mais complexo: o de ser um “país terceiro seguro” em uma política migratória cada vez mais impulsionada por decisões judiciais controversas e pressão geopolítica. Enquanto Washington celebra avanços, críticos alertam que o custo humano pode estar sendo ignorado em nome da ordem política.