Por Rogério Costa
Carregando a essência e a espontaneidade de seu talento dado por Deus, o mestre compositor e cantor Milton Nascimento é reverenciado em todo o mundo por sua habilidade natural de recriar sons naturais, com muitos admiradores o chamando de “a voz do céu”.
Suas colaborações de longa data com outros profissionais talentosos e seu ativismo político, social e ambiental fizeram dele um dos artistas brasileiros mais prolíficos de todos os tempos, alguém que poderia definir uma geração de buscadores de liberdade, alguém que defende a justiça, os direitos humanos e a igualdade racial.
Como qualquer outra profissão, é preciso se aposentar em algum momento, e para Milton esse momento chegou há alguns anos, quando embarcou em uma turnê mundial de despedida. Parecia o certo a fazer, já que ele começou a apresentar debilitações de memória (seu filho, Augusto Nascimento, anunciou recentemente que Milton foi diagnosticado com demência e está perdendo a memória).
A documentarista Flávia Moraes acompanhou-o nos preparativos para a turnê final, passando pelos bastidores, entrevistando o próprio Milton, seus amigos e colaboradores, além de extrair lembranças importantes e comoventes de sua infância e carreira.
Sentado numa cadeira de rodas em frente à Ponte do Brooklyn, Milton diz “aqui está o presente, do outro lado já está o futuro”. O momento é simples, mas cativante e altamente emocionante, pois sabemos que Milton está lutando contra seu diagnóstico e fraqueza gradual. Em outro momento devastador, Milton relembra as inúmeras vezes em que sofreu e enfrentou o racismo – desde seus pais adotivos brancos enfrentando o preconceito da vizinhança até quando ele não podia usar a porta da frente dos locais onde tocaria.
Vencedor do Prêmio do Público de Melhor Filme no Prêmio Grande Otelo deste ano (o mais prestigiado prêmio do cinema brasileiro) e selecionado como seleção oficial do Brasil para o Oscar do próximo ano, o filme pinta uma tela sobre a história contemporânea brasileira vista pela perspectiva de Milton, e uma carta de amor a Minas Gerais, estado onde cresceu, capturando momentos emocionantes realçados pela beleza das paisagens naturais.
Narrado por Fernanda Montenegro, que dá tom poético à narrativa, traz entrevistas com nomes como Spike Lee, Quincy Jones, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Carminho, Mano Brown e muitos outros.
Profundo e enigmático, alimentado pelos incríveis sons das composições de Milton, o resultado é uma brilhante obra de não-ficção, uma homenagem e celebração essencial de um dos maiores tesouros culturais do Brasil.
(“Milton Bituca Nascimento” terá sua estreia em Nova York como parte do 4ºo NY Brazilian Film Series, domingo, 2 de novembroe às 17h no Cinema Village, 22 Leste, 12o Rua, Manhattan. Vá para para ingressos).