Emoções intensas, como perdas ou alegrias avassaladoras, podem desencadear uma condição cardíaca real: a Síndrome de Takotsubo, conhecida como ‘coração partido’
Alegria, tristezaeuforia, perda, medo — cada uma dessas sensações molda quem somos e como interagimos com o mundo. Mas e se eu te dissesse que essas emoções, especialmente quando intensas, podem ter um impacto muito mais profundo do que imaginamos, chegando a afetar, literalmente, o nosso coração físico? Desde tempos imemoriais, o coração é visto como o epicentro das nossas emoções. Quando a felicidade transborda, sentimos o coração leve; quando a tristeza aperta, ele parece pesado. E quando o amor acaba, ah, aí o coração está “partido”.
A ideia de um “coração partido” é uma metáfora antiga, presente em canções, poemas e histórias que atravessam gerações. Ela evoca a dor da desilusão, do cozidoda perda de um amor ou de um sonho. No entanto, a medicina moderna nos mostra que essa expressão, tão carregada de simbolismo, tem uma base científica real. O sofrimento emocional intenso, ou até mesmo uma alegria avassaladora, pode desencadear uma condição cardíaca que, embora temporária, apresenta sintomas assustadores e se confunde facilmente com um ataque cardíaco. Essa condição é conhecida como Síndrome de Takotsubo, carinhosamente apelidada de “Síndrome do Coração Partido”.
O que acontece no “coração partido”?
O nome “Takotsubo” vem do japonês e significa “armadilha de polvo”, em alusão à forma que o ventrículo esquerdo do coração assume durante um episódio da síndrome: arredondada na ponta e estreita na base. Essa forma é causada pela dilatação da principal câmara de bombeamento do coração, que fica temporariamente incapaz de se contrair adequadamente.
Durante eventos emocionalmente intensos — negativos ou positivos — nosso corpo libera uma avalanche de hormônios do estresse, como adrenalina e cortisol. Essa descarga pode “atordoar” o músculo cardíaco, especialmente o ventrículo esquerdo, sem que haja obstrução das artérias. Ou seja, embora os sintomas se assemelhem a um infarto, o mecanismo é diferente: não há entupimento das artérias, mas uma disfunção transitória do coração causada por estresse extremo.
Gatilhos emocionais e físicos
A Síndrome de Takotsubo pode ser desencadeada por eventos emocionais negativos como:
- luto pela morte de um ente querido
- términos de relacionamento
- conflitos familiares ou traições
- perdas financeiras
- notícias médicas inesperadas
Mas também pode surgir após momentos positivos intensos, como:
- uma grande surpresa
- nascimento de um neto
- realização de um sonho antigo
- vitória esportiva do time do coração
Além disso, estressores físicos como doenças graves, cirurgias, dor intensa ou esforço físico extenuante também podem provocar a síndrome. Em comum, todos envolvem liberação aguda de hormônios que impactam o coração.
Diagnóstico e tratamento: cada minuto conta
Os sintomas são praticamente idênticos aos de um infarto: dor no peito, falta de ar, palpitações, suores frios. Por isso, o diagnóstico rápido e preciso é essencial. O primeiro passo inclui eletrocardiograma, dosagem de enzimas cardíacas e ecocardiograma. O cateterismo cardíaco é determinante: se as artérias estiverem desobstruídas e o ecocardiograma mostrar a forma típica do ventrículo, confirma-se a Síndrome de Takotsubo.
Apesar do susto, a evolução costuma ser favorável, com recuperação total da função cardíaca em dias ou semanas. O tratamento é de suporte e o foco, a longo prazo, é prevenir novos episódios com o controle do estresse e acompanhamento psicológico, quando necessário.
Quem está mais vulnerável?
A síndrome afeta majoritariamente mulheres após a menopausa, representando 80% a 90% dos casos. Acredita-se que a queda nos níveis de estrogênio as torne mais suscetíveis aos efeitos dos hormônios do estresse. Pessoas com histórico de ansiedade ou depressão também podem estar em maior risco.
A Síndrome do Coração Partido é a prova de que corpo e mente são indissociáveis. O coração sente – literalmente – o impacto das emoções. Cuidar da saúde emocional é, também, cuidar do coração. Não é exagero, não é fraqueza: é fisiologia pura. E merece atenção.
Rodrigo Almeida Souza -CRM-PA 7926 | RQE 4130 /4137
Cardiologia clínica e intervencionista e membro da Brazil Health