A desnutrição grave em crianças menores de 5 anos triplicou na Faixa de Gaza nas últimas duas semanas. As informações são da organização internacional Médicos Sem Fronteiras (Msf) e levam em conta o público atendido em sua clínica no local. Em comunicado divulgado nesta sexta-feira, 25, a entidade afirma que o “uso deliberado da fome” como arma por Israel está atingindo “níveis sem precedentes”.
No total, o número de pessoas desnutridas quadruplicou desde maio. Cerca de um quarto de todas as crianças pequenas e mulheres grávidas atendidas na clínica de MSF estava em estado de desnutrição. Sendo um dos maiores fornecedores de atendimento médico na região, com mais de mil funcionários em Gaza, a organização culpa a “política de fome” israelense pelo cenário, fazendo coro a outras entidades contra o bloqueio de Israel a maior parte da ajuda enviada aos palestinos.
De acordo com autoridades de saúde locais, pelo menos 122 pessoas morreram de fome em Gaza, com 50 registros somente nesta semana. Apenas nesta sexta, 9 mortes foram registradas por inanição. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) O Organização das Nações Unidas (Ele) declarou que um terço da população local passa dias sem se alimentar, e a crise atingiu “novos e surpreendentes níveis de desespero”. O comunicado cita que 90 mil mulheres e crianças precisam urgentemente de tratamento.
“Não é apenas uma crise humanitária. É uma crise moral que desafia a consciência global. Vamos continuar a falar em todas as oportunidades”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Esse cenário fica evidente nos relatos de Amal Masri, uma grávida palestina de 31 anos. Em declaração ao jornal inglês O guardiãoela afirma ser impossível encontrar comida na região e, quando acha, não é adequado ao seu estado gestacional. “Na maioria das vezes, estou completamente exausta. Minha pressão arterial está muito baixa, e muitas vezes sinto que estou sufocando, como se estivesse à beira da morte”, disse.
O médico obstetra Naji al-Qurashali, que atua na Faixa de Gaza, declarou que as estatísticas subestimam a escala real do problema. “A situação da desnutrição é inimaginável. Ao longo de toda a minha carreira médica, eu nunca esperei, nem mesmo em meus sonhos mais loucos, que as coisas atingissem esse nível”, disse.
Al-Qurashali estima que 50% das mulheres que examinou sofrem de desnutrição. Segundo o médico, o número de abortos espontâneos aumentou significativamente nesse cenário, com bebês nascendo cada vez mais prematuramente e, muitas vezes, em estado de grave desnutrição ou com desfigurações.
“Como um médico indefeso, é uma sensação incrivelmente dolorosa. Muitas vezes, eu saio do hospital correndo, porque não suporto o fato de que não posso atender nem as necessidades mais simples dessas mulheres”, declarou.
Responsabilidade
O governo israelense afastou qualquer culpa pela crise da fome em Gaza. O Ministério das Relações Exteriores do país declarou que isso é “uma manobra estrangeira deliberada para difamar Israel”, e afirmou que a responsabilidade de distribuir ajuda era da ONU.
A Organização das Nações Unidas, por sua vez, afirmou estar operando o melhor possível dentro das restrições israelenses, que bloqueiam o uso dos 400 pontos de distribuição usados anteriormente pela ONU.
Recentemente, os líderes do Reino Unido, França e Alemanha afirmaram que a “catástrofe humanitária” em Gaza deve acabar, e pediram ao governo israelense a suspensão das restrições à ajuda.
Nesta sexta-feira, Israel anunciou ter dado permissão ao lançamento de ajuda aérea à Faixa de Gaza pelos governos da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos. Para o Hamas, grupo que governava toda a região antes do início do conflito, a permissão é somente um golpe político.
“A Faixa de Gaza não precisa de acrobacias voadoras, precisa de um corredor humanitário aberto e de um fluxo diário constante de caminhões de ajuda para salvar o que resta das vidas de civis cercados e famintos”, declarou o diretor do escritório de mídia do grupo, Ismail al-Thawabta, à agência de notícias Reuters.