O legado deixado pelos monges e a reverência ao terroir transformaram a viticultura local em um modelo para o mundo; cada garrafa da Borgonha conta um pouco sobre o solo, o clima e a tradição
UM Borgonhasituada no leste da Françaé uma das mais prestigiadas e tradicionais regiões vitivinícolas do mundo. Sua história vitícola remonta a mais de dois mil anos, com registros de cultivo de videiras ainda no período da colonização romana. Foi com os romanos que as primeiras cepas de Vine Vinifera foram plantadas na região, particularmente ao longo das encostas bem drenadas que caracterizam a paisagem da Borgonha.
Durante a Idade Média, a produção de vinho na Borgonha ganhou um novo impulso com a atuação determinante da Igreja Católica. A partir do século IX, os monges beneditinos começaram a cultivar vinhas de forma sistemática, promovendo melhorias na seleção de uvas e nos métodos de vinificação. Eles não apenas produziam vinho para uso litúrgico, mas também para sustentar economicamente os mosteiros.

Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp!
Mais tarde, no século XII, os monges cistercienses — uma ordem reformista dos beneditinos — levaram a viticultura da Borgonha a um nível ainda mais elevado. Foram eles os grandes responsáveis por identificar as sutilezas de cada terroir, ou seja, das diferentes parcelas de terra com microclimas e solos distintos. Esse trabalho meticuloso levou à origem dos famosos “climats” da Borgonha — pequenas divisões de vinhedos com características únicas. Estes monges (cistercienses) do Mosteiro de Cîteaux e os beneditinos da Abadia de Cluny foram figuras centrais na construção da reputação da Borgonha como produtora de vinhos de altíssima qualidade. Eles foram, na prática, os primeiros a classificar os vinhos com base na origem do solo, intuindo que cada parcela poderia gerar um vinho distinto.
Com a Revolução Francesa, no final do século XVIII, as terras da Igreja foram confiscadas e redistribuídas, muitas vezes divididas entre pequenos proprietários. Esse processo foi intensificado pelas leis napoleônicas de herança, que exigiam que as terras fossem repartidas igualmente entre os herdeiros. Como resultado, até hoje muitos vinhedos da Borgonha são extremamente fragmentados, com múltiplos proprietários detendo pequenas parcelas dentro do mesmo climat.
A classificação dos vinhos da Borgonha diverge muito daquela que estamos acostumados em Bordeaux. Na Borgonha a classificação é baseada no conceito de terroir e segue uma hierarquia de quatro níveis principais, definidos oficialmente pelo sistema de Designação controlada de origem (AOC):
- Grand Cru: Representa o nível mais alto de qualidade. São apenas cerca de 33 denominações na Borgonha (como Romanée-Conti, Montrachet e Clos de Vougeot), que correspondem a cerca de 1% da produção total da região. Cada Grand Cru é uma AOC específica e tem características únicas.
- Primeiro vintage: São parcelas específicas dentro de uma comuna que apresentam qualidades superiores. Os vinhos Premier Cru são rotulados com o nome da comuna seguido do nome do vinhedo, como por exemplo: “Chablis Premier Cru Montée de Tonnerre”.
- Aldeia: Vinhos produzidos a partir de uvas cultivadas em uma única vila (comuna), mas fora das áreas classificadas como Premier ou Grand Cru. Há cerca de 44 AOCs comunais, como Gevrey-Chambertin, Meursault e Pommard.
- Regional: Representam a base da pirâmide. São vinhos que podem ser produzidos com uvas de várias partes da Borgonha, com denominações como “Bourgogne Rouge”, “Bourgogne Blanc” ou “Crémant de Bourgogne”.
Vale ressaltar que essa classificação reflete não apenas a qualidade do vinho, mas principalmente a reputação e as condições específicas do terroir de onde as uvas são originárias.
A Borgonha é uma região em que história, religião, geografia e paixão pelo vinho se entrelaçam de forma única. O legado deixado pelos monges e a reverência ao terroir transformaram a viticultura local em um modelo para o mundo. Até hoje, cada garrafa da Borgonha conta uma história de solo, clima e tradição — um testemunho vivo da espiritualidade, paciência e precisão que moldaram essa terra lendária. Saúde!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.