A imprensa internacional já está tratando o julgamento de Jair Bolsonaro não Tribunal Supremo Federal como um evento histórico. The Economist classificou a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 como “esquisita e bárbara” e afirmou que o Brasil dá uma lição de democracia aos Estados Unidos.
Não é exagero. Dez dias antes de reassumir a Casa Branca, Donald Trump foi sentenciado por fraude contábil no caso Stormy Daniels, mas recebeu uma “liberação incondicional”, artifício jurídico que o mantém como criminoso condenado sem cumprir pena, em nome da proteção ao cargo de presidente.
Como mostrado na coluna, trata-se de uma situação esdrúxula: “você cometeu crime e eu te condeno à liberdade”.
O contraste fica ainda mais evidente quando lembramos que o mesmo Trump foi absolvido pelo Senado no processo de impeachment em que era acusado de incitar a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Apesar da gravidade do episódio, que deixou mortos e buscava impedir a certificação da vitória de Joe Biden, a maioria republicana preferiu livrá-lo de qualquer punição.
Enquanto o Judiciário americano contemporizou com um presidente eleito e o Legislativo foi incapaz de punir um ataque direto à democracia, o brasileiro leva a julgamento um ex-presidente por tramar um golpe de Estado. É a inversão histórica notada até pela Economist, que escreveu que “os dois países parecem estar trocando de lugar”.
Mesmo assim, parte da cobertura estrangeira ainda relativiza a solidez das instituições brasileiras. O New York Times questionou se o STF teria extrapolado poderes ao autorizar Alexandre de Moraes a conduzir investigações. É um paradoxo: acusam o Brasil de excesso justamente quando o exemplo dos Estados Unidos é o da leniência.
No fim, o julgamento de Bolsonaro não é apenas sobre o passado recente. É também sobre mostrar ao mundo que, aqui, a democracia é capaz de se defender, talvez até mais do que na nação que sempre se apresentou como seu farol (sem nunca ser).