Os vilões são sedentarismo, piora na qualidade do sono, estresse crônico, uso excessivo de telas e, principalmente, uma alimentação baseada em produtos ultraprocessados e pobres em fibras naturais
Muito antes da ciência moderna, Hipócrates — considerado o pai da medicina — já alertava: “A maioria das doenças começa no intestino”. Séculos depois, a medicina confirma essa sabedoria. Hoje, sabe-se que o intestino vai muito além da digestão: ele desempenha papel central na regulação metabólica, imunológica e inflamatória do organismo. E quando esse equilíbrio se rompe, surgem doenças silenciosas que podem evoluir para quadros graves, como o câncer colorretal — que, cada vez mais, tem afetado pessoas jovens.
Por que o câncer intestinal cresce entre os mais jovens?
Nas últimas décadas, observou-se uma queda no consumo mundial de tabaco, mas, ao mesmo tempo, um crescimento no número de casos de câncer do trato gastrointestinal — especialmente entre pessoas com menos de 50 anos. O principal vilão parece ser a mudança no estilo de vida: aumento do sedentarismo, piora na qualidade do sono, estresse crônico, uso excessivo de telas e, principalmente, uma alimentação baseada em produtos ultraprocessados e pobres em fibras naturais.
Esses fatores alteram profundamente o funcionamento da microbiota intestinal — a comunidade formada por trilhões de micro-organismos que vivem em simbiose com nosso corpo. Quando essa microbiota entra em desequilíbrio, condição chamada disbiose, cria-se um ambiente inflamatório e metabolicamente desorganizado, ideal para o desenvolvimento de doenças crônicas, incluindo o câncer.
Disbiose intestinal: o elo invisível entre maus hábitos e câncer
A disbiose está diretamente associada a fatores da vida moderna: má alimentação, obesidade, sedentarismo e sono inadequado. O consumo desenfreado de produtos industrializados — ricos em aditivos químicos, corantes, conservantes e pobres em fibras — danifica a integridade intestinal, reduz a diversidade bacteriana e compromete a barreira de proteção do intestinofacilitando processos inflamatórios silenciosos.
Estudos recentes também revelam que determinadas bactérias podem estar diretamente ligadas ao desenvolvimento de câncer. Um exemplo já bem estabelecido é o Helicobacter pylorirelacionado ao câncer gástrico e até ao câncer de cólon. Desde 2014, essa bactéria foi classificada como agente carcinogênico do grupo 1 pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), mesma categoria do tabaco, amianto e radiação.
Prevenção: o poder está nos hábitos e na rastreabilidade
Felizmente, grande parte desses riscos pode ser evitada. A recomendação central é simples: “Descasque mais e desembale menos”. Ou seja, priorize alimentos in natura e fermentados, pratique atividade física regularmente e cultive um estilo de vida equilibrado. A saúde intestinal depende diretamente de uma microbiota saudável — e ela responde positivamente a escolhas conscientes e consistentes.
Além dos cuidados diários, a rastreabilidade preventiva é fundamental. Os exames de sangue oculto nas fezes (FIT) e a colonoscopia são essenciais para detectar lesões precoces. A colonoscopia é indicada a partir dos 45 anos para pessoas sem histórico familiar de câncer intestinal, e antes disso para quem tem parentes de primeiro grau com a doença.
Conclusão
O aumento do câncer de intestino entre jovens não é apenas uma estatística — é um alerta. A origem do problema, muitas vezes, está no prato, na rotina sedentária e no desequilíbrio da microbiota intestinal. Para reverter esse cenário, é preciso resgatar hábitos saudáveis e investir em prevenção. E, como já dizia Hipócrates: “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio.”
*Por Dr. Pedro Renato Guazzelili – CRM 71729 | RQE 59679 /66056
Médico Anestesiologista, Intensivista, Mestre em Medicina pela Unicamp, Doutorando em Farmacologia pela Unicamp, Médico do Trabalho, estudioso de Nutrologia e Microbiota