Apesar de a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) ter apontado diferentes quesitos que mostram falta de transparência na escolha da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) para a viabilização de estruturas para a COP-30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30)a Corte não deve impor problemas ao Executivo e barrar contratos como o que estima em 478,3 milhões de reais o valor que pode ser pago à OEI para a produção de parte do evento.
A OEI é próxima da primeira-dama Janja da Silva, que em abril de 2023 chegou a ser convidada para coordenar a Rede Ibero-Americana para a Inclusão e a Igualdade da entidade. O ex-diretor da OEI Leonardo Barchini é hoje o número dois do Ministério da Educação.
Desde que parlamentares de oposição questionaram o contrato e sugeriram, entre outros pontos, que o TCU barrasse liminarmente a parceria do Executivo com a OEI, a Casa Civil entrou em campo para conter danos. O principal argumento da equipe do ministro Rui Costa, relataram interlocutores a VEJA, era o de que a própria COP30 poderia não sair do papel se o TCU barrasse a atuação da OEI.
Entre as responsabilidades do organismo internacional estão a montagem de estruturas temporárias de grande porte, a recepção de participantes que virão ao Brasil para a conferência e estudos de mobilidade urbana e segurança para o evento, previsto para novembro na cidade de Belém.
A área técnica no tribunal, porém, deixou consignado o que considera falhas importantes de transparência e justificativas capengas para a escolha da entidade para um contrato desta monta. Entre outros argumentos, a equipe de auditoria do TCU concluiu que:
- apesar de um dos contratos com a OEI chegar potencialmente a quase 480 milhões de reais, as informações sobre como se chegou a este valor são “limitadas e insuficientemente detalhadas”. Não há, por exemplo, discriminação dos custos de montagem de estruturas, contratação de consultores, logística ou serviços de infraestrutura. “Essa ausência de detalhamento contraria a expectativa de transparência exigida para justificar um montante de tal magnitude, especialmente considerando a complexidade da COP30 e a necessidade de accountability em processos de grande visibilidade pública”, registra parecer a que VEJA teve acesso.
- não houve análise comparativa com preços de mercado para serviços similares aos prestados pela OEI;
- embora outros organismos internacionais, como o PNUD e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), tivessem sido avaliados como possíveis contratados para a COP30, o governo apresentou como evidências ao TCU “apenas de um e-mail remetido pelo PNUD contendo, supostamente, uma apresentação da entidade, sem maiores detalhamentos ou análises realizadas”. “A falta de detalhes específicos sobre os resultados dessas tratativas, como indicadores comparativos de desempenho ou custos, limita a transparência”, resumiu a equipe técnica;
- não foram apresentados relatórios sobre tratativas com outros organismos internacionais capazes de viabilizar a COP30 nem mencionados os motivos específicos para a exclusão de cada uma deles de fechar contrato com o governo;
- é verdade que projetos de cooperação internacional, como o firmado com a OEI, não exigem licitação, diz o TCU, mas o corpo técnico do tribunal destaca que “a discricionariedade administrativa (em favor de uma entidade em específico) não exclui a exigência de motivação clara, comparativa e documentada”;
- apesar de o governo ter afirmado que a OEI possui a estrutura e a capacidade necessárias para garantir a execução da COP30 com eficiência, os técnicos da Corte de Contas concluíram que “tal afirmação é feita de forma genérica, com base em avaliações internas e experiências anteriores, mas sem comparativo técnico-financeiro com outras opções”. “A ausência de estudo técnico ou parecer fundamentado que compare, ainda que sucintamente, a OEI com outros organismos compromete a plausibilidade objetiva da escolha. Trata-se de uma lacuna relevante, sobretudo diante da magnitude, do risco e da visibilidade do projeto em questão”, resume.
- “A falta de documentação comparativa, ausência de critérios objetivos aplicados na decisão e o tratamento superficial dado às tratativas com outros organismos comprometem a plausibilidade plena da escolha administrativa e configuram falha no dever de motivação do ato administrativo”, concluiu a equipe do tribunal.
Em resposta ao TCU, o governo defendeu a legalidade da contratação da entidade por considerar, por exemplo, que a administração pública, que criou 28 cargos comissionados exclusivos para a COP, não teria força de trabalho para viabilizar o necessário para o evento; que contratos de cooperação, como o com a OEI, permitem a contratação ágil de responsáveis pelo evento; que a entidade possui experiência prévia e capacidade para organizar eventos internacionais de grande porte; que a OEI já possui infraestrutura no Brasil, o que facilitaria a contratação; e que a entidade ofereceu taxa de administração de 5% a 8% nos dois contratos que fechou com o governo, abaixo do patamar de 10% previsto originalmente. O governo também informou ao TCU que a Controladoria-Geral da União foi acionada para examinar eventuais riscos de sobrepreço.
Sobre a proximidade da OEI com a primeira-dama Janja, tanto o Executivo quanto a equipe técnica do TCU silenciaram.