Em um passado não muito distante, comandar os Correios era alvo da cobiça de partidos e de políticos de todos os espectros. A estatal tem representações em praticamente todos os municípios do país, o que lhe dá uma enorme visibilidade política, e é a principal patrocinadora de um fundo de previdência com o patrimônio estimado em 13 bilhões de reais, o que lhe confere uma altíssima relevância econômica. O atual presidente da empresa, o advogado Fabiano Silva, porém, está demissionário há mais de um mês — e, por mais estranho que pareça, não está fácil encontrar um substituto. O cargo foi oferecido ao União Brasil, partido da base de apoio ao governo, que ainda não encontrou um candidato para assumir o posto e também não decidiu se irá aceitar a oferta. E o principal motivo da dúvida é a grave crise financeira que a companhia atravessa. Os prejuízos chegaram a 2,6 bilhões de reais em 2024 e já atingiram 1,7 bilhão no primeiro trimestre deste ano. No início do mês, sem dinheiro em caixa, a diretoria decidiu suspender o pagamento de alguns fornecedores e adiar o recolhimento de tributos.
Para os partidos, os cargos de direção em estatais sempre foram considerados como uma fonte de bons dividendos. Os Correios, porém, não parecem um bom investimento político neste momento. Ao tomar posse em 2023, o presidente Lula retirou a empresa do Programa Nacional de Desestatização. Desde então, os prejuízos foram se acumulando, reflexo de medidas tomadas pelo próprio governo, como a taxação de compras internacionais, e ações administrativas temerárias, como aumento de salários dos servidores. Recentemente, para tentar melhorar o desempenho financeiro da empresa, a Casa Civil da Presidência defendeu a implementação de medidas rígidas para enxugar gastos, incluindo o fechamento de agências e a demissão de funcionários — uma missão politicamente nada atraente. Apesar das contraindicações, a oferta do governo está sendo avaliada pela cúpula do União Brasil, particularmente pelo presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, a quem cabe a palavra final.
Há outras questões que desestimulam o interesse pelo cargo. Até pouco tempo atrás, não era incomum os políticos usarem as estatais para financiar campanhas eleitorais. O mensalão, o escândalo de corrupção que por pouco não levou o primeiro governo Lula para o ralo, por exemplo, foi descoberto a partir de um gerente dos Correios flagrado recebendo propina, a serviço de um dos partidos da base de apoio do Planalto, na época o PTB. Hoje, deputados e senadores podem evitar recorrer a esses expedientes, já que cada parlamentar tem direito a enviar a seus redutos uma cota milionária do orçamento público, assegurando o seu bônus político. Já o ônus de assumir o comando de uma estatal em crise pode ser pesado demais. VEJA teve acesso à íntegra de duas auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os Correios que dão razão às dúvidas do União Brasil. Na primeira, realizada em 2023 e inédita até hoje, os técnicos já advertiam para o risco de “insustentabilidade econômico-financeira” da estatal e elencavam a existência de problemas administrativos graves.
O TCU avaliou a empresa como detentora de competências digitais incipientes e baixa capacidade de alavancagem para novos negócios. Observou também que a participação no setor de logística, que representava mais de 50% do faturamento, caía ano a ano. Outro recorte feito revelou que, entre 2018 e 2021, o investimento líquido foi tão baixo que não conseguiu sequer manter os serviços básicos funcionando adequadamente. No campo administrativo, um mapeamento em mais de 5 300 processos de licitação alertou para a possibilidade de irregularidades em 40% deles — riscos de conluio, contratação de fornecedores com restrições ou licitante único. Até onde se sabe, pouco ou quase nada foi feito para sanar esses problemas. A segunda auditoria tratou exclusivamente do Postalis, o fundo de pensão dos funcionários, que acumula um rombo superior a 15 bilhões de reais, maior, portanto, que o próprio patrimônio. No governo Dilma Rousseff, o fundo, então comandado por Antonio Carlos Conquista, indicado pelo PT, terceirizou a gestão de uma carteira de investimentos. Tempos depois descobriu-se que a operação gerou prejuízo de mais de 450 milhões de reais. Na quarta-feira 30, o TCU condenou os antigos diretores do fundo e a administradora do fundo de investimento a pagar 1 bilhão de reais por investimentos desastrosos feitos na época em que Conquista comandava o Postalis. O caso é um exemplo de que certos cargos, embora atraentes, podem render mais problemas do que soluções.

Antes de assumir a presidência dos Correios, Fabiano Silva foi advogado do Postalis e defendeu o próprio Antonio Carlos Conquista. Ligado ao Prerrogativas, grupo de advogados próximos ao presidente Lula, Silva termina seu mandato na próxima semana. No início do ano, parlamentares de oposição reuniram assinaturas suficientes para a criação de uma CPI para investigar a estatal. O requerimento dormita na gaveta do senador Davi Alcolumbre. Procurada por VEJA, a direção dos Correios informou por meio de nota que está em andamento um plano de reequilíbrio da empresa que, entre outras medidas de contenção, prevê cortes de até 1,5 bilhão de reais nas despesas. Para evitar um colapso nas operações, no entanto, estima-se que a União ainda precisará injetar no caixa da companhia cerca de 4 bilhões de reais — recursos quase impossíveis de arrumar em meio à crise do Orçamento federal. Assim, a lenta agonia da estatal deve se arrastar por mais tempo e poucos enxergam com otimismo alguma possibilidade de reviravolta nesse enredo.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955