Ex-prefeito de Araraquara (SP) por quatro mandatos, ex-deputado estadual, ex-ministro e coordenador da campanha de Lula em 2022, o sociólogo Edinho Silvade 60 anos, inicia no domingo 3 o maior desafio de sua vida política. Eleito presidente do PT com 73% dos votos, ele assume o comando com o desafio de unificar o partido, dar tração a velhas e novas bandeiras da legenda e, principalmente, viabilizar a reeleição de Lula em 2026. Responsável pela costura do apoio de centro ao petista na disputa presidencial passada, que considera a “mais difícil” que já enfrentou, Edinho afirma que o próximo pleito será ainda mais complicado. Por isso defende, desde já, a busca não só do eleitor de centro, mas também daquele que se aproximou do bolsonarismo nos últimos anos. “O desafio é furar a bolha da polarização e dialogar com quem não escolheu Lula por alguma circunstância, mas que já votou no PT em eleições anteriores”, pontifica. Confira a seguir a entrevista.
O senhor foi um dos articuladores da frente ampla em 2022 para atrair partidos de centro, mas agora defende também a busca pelo eleitor bolsonarista. Como isso será feito? Já enfrentei muitos desafios políticos e eleições difíceis, mas nenhuma foi mais difícil do que a de 2022. Foi terrível o cenário daquela disputa e ganhamos por 2 pontos percentuais. O desafio do PT agora é dialogar com quem não escolheu Lula por alguma circunstância conjuntural, mas que já votou no PT em eleições anteriores. Conseguimos furar essa bolha, por exemplo, ao debater soberania nacional. Já se percebe que começa a diluir o mau humor de uma parte do povo brasileiro conosco. Isso dá indícios de que podemos ampliar o nosso eleitorado, mas para vencer será preciso repetir o que aconteceu no segundo turno de 2022. Teremos de criar um amplo movimento de mobilização que mostre que quem vai defender o Brasil como país, o povo e as instituições brasileiras é Lula. Defendi e continuo defendendo o direito do PT de não abrir mão de nossas bandeiras históricas, daquilo que nos dá identidade, do nosso legado, priorizando os aliados tradicionais. Mas temos que ter capacidade de ampliação, de diálogo.
Partidos que integram o governo, como União Brasil, PP e Republicanos, ensaiam seguir seus próprios caminhos em 2026. Como o senhor avalia que deve ser a posição do governo e do PT em relação a essas legendas? É preciso fazer esse diálogo contextualizando a situação política do país. O presidencialismo se enfraqueceu muito com Michel Temer e Jair Bolsonaro. O Temer, por falta de legitimidade, e o Bolsonaro, porque não era afeito a governar, era muito mais um agitador de massas. Eles repassaram ao Congresso boa parte das atribuições do presidente da República. Hoje, o Legislativo executa 52 bilhões de reais do Orçamento.
“A relação com aliados deve levar em conta a lógica nos estados. Mas não se pode ter ministros cujos partidos atacam o governo. Se querem tanto estar conosco, estejam na nossa aliança”
Qual a consequência disso, na sua opinião? Você pode chamar esse modo de governo de qualquer coisa, menos de presidencialismo. Não é um momento simples na política. A relação com aliados deve levar em conta a lógica nos estados, mas claro que não pode haver contradição absurda. Não se pode ter ministros cujos partidos ficam atacando constantemente o governo. Se querem tanto estar conosco, estejam na nossa aliança.
O que seria olhar a lógica dos estados? As alianças mais importantes que vamos construir serão estaduais. A maior parte dos partidos vai liberar seu filiados, não vai ter aliança nacional. Temos que ter chapa forte para deputados federais e para as assembleias. E, claro, entendendo o quanto vai ser estratégica a eleição para o Senado, em razão dessa ofensiva da direita que está ocorrendo no Brasil para gerar instabilidade nas nossas instituições, com ataques ao Judiciário. Olhando as eleições estado por estado, vamos desenhar uma estratégia em que a democracia seja vitoriosa.
Nomes com densidade eleitoral como o vice Geraldo Alckmin e os ministros Fernando Haddad, Gleisi Hoffmann, Rui Costa e Alexandre Padilha são uma aposta dentro dessa estratégia? Não podemos esvaziar o governo. De abril de 2026 (quando os candidatos precisam se desincompatibilizar) a dezembro há muito tempo ainda para governar. Agora, defendo que, sem gerar rombos na gestão, possamos colocar as nossas principais lideranças para disputar as eleições. Será uma disputa política histórica, até por conta da ascensão do pensamento fascista no mundo. Basta ver como Donald Trump lida com os outros países. Portanto, a reeleição de Lula, além de dar continuidade a um projeto de reconstrução das políticas públicas no Brasil, que foram desorganizadas no governo anterior, significa também impedirmos que esse pensamento fascista possa tomar corpo no nosso país. A eleição de 2026 tem um significado histórico e defendo, sim, que as nossas principais lideranças estejam no cenário político, nos ajudando a montar os palanques mais fundamentais.
Com a ausência de Bolsonaro, inelegível, há vários nomes cotados para representar a oposição. Acha que a direita irá fragmentada para enfrentar o PT? Não penso em escolher adversário, temos é que construir as nossas alianças. Estou mais preocupado com que possamos superar a atual conjuntura, com dois temas centrais que estão sendo debatidos: a reforma da renda, que é fundamental para o futuro do Brasil, e a soberania nacional. Não me preocupo com o adversário, penso que o Brasil precisa sair efetivamente fortalecido diante desses dois debates.
Quais serão as principais bandeiras que o petismo empunhará em sua gestão? O PT é um partido muito forte, mas que tem novos desafios, como priorizar o diálogo com a base social levando em consideração as mudanças tecnológicas no mundo do trabalho. Lula está preocupado com isso. Precisamos contemplar essa nova classe trabalhadora emergente, e o PT só vai dialogar com ela se estiver presente, principalmente, nas periferias das médias e grandes cidades. Temos que falar em urgência climática e em transição energética. O PT também deve debater com muita ênfase a questão da universalização da educação integral, a primeira infância, o financiamento do SUS, o maior programa de saúde pública do mundo, de forma a diminuir as filas, que são o gargalo do sistema. Precisamos discutir a reindustrialização, o desenvolvimento sustentável da Amazônia e o investimento em várias áreas. São temas fundamentais e, se não tivermos agenda, o partido vai perder espaço.
Durante as eleições internas, adversários defenderam que o partido deveria ter autonomia em relação ao governo. O que pensa disso? Temos muita gente no PT que ainda faz o trabalho de organização popular. É importante porque, se pegarmos as eleições de 2024, é nítido que o partido perdeu parte do seu eleitorado, principalmente a juventude das periferias. Mas estamos falando de um mandato de coalizão, no qual você tem que disputar a linha política desse governo, porque são vários partidos que lhe dão sustentação.
O partido tem feito um movimento de reformulação da comunicação, sobretudo no meio digital. De que forma pretende enfrentar a direita, que costuma ir melhor nesse universo? O PT melhorou muito a forma de se comunicar. Temos agora a inteligência artificial, que vai novamente mudar a lógica da comunicação. O partido tem que estar aberto a essas mudanças. A mobilização de rua está muito vinculada às redes. Não dá para a gente falar das duas coisas em separado. Só vamos levar pessoas às ruas se tivermos capacidade de mobilizar e gerar engajamento nas redes, de fazer com que elas popularizem temas importantes. E o maior trunfo é acertar a política. Um exemplo foi quando Lula, o governo e o PT entraram no debate da democratização da renda. Ou seja, quem não paga imposto? O Brasil tem 860 bilhões de reais hoje de renúncia fiscal. Quando o governo faz esse debate corretamente, ele acerta no diálogo.
“A liderança que irá substituir Lula vai emergir naturalmente desde que o PT esteja efetivamente conectado e organizado com a sociedade brasileira”
A popularidade de Lula melhorou após o anúncio do tarifaço americano sob a justificativa de que era uma sanção a suposta perseguição a Bolsonaro. Isso de fato ajudou a estratégia do governo? Fomos atacados pelo governo Donald Trump na maior violência diplomática da nossa história. Mas a ofensiva americana começou quando houve a reunião do Brics, no Rio de Janeiro. Qualquer país tem o direito de se organizar economicamente e comercialmente, mas penso que houve uma reação totalmente fora de propósito de Trump por causa disso. Depois, apenas se criou um verniz político para dizer que o Brasil seria punido por estarmos apurando uma tentativa de golpe de Estado, uma agressão à democracia.
O senhor também tem falado sobre a preocupação de construir uma liderança dentro do PT que possa suceder a Lula quando ele, que hoje tem 79 anos, não mais disputar eleições. Como pretende conduzir isso? Vou responder com uma frase do próprio presidente Lula. Ele disse que o substituto não será um nome, será o partido. E ele está correto. Surgir no Brasil um outro Lula é praticamente impossível, porque as condições históricas que fizeram com que ele emergisse como liderança foram o novo sindicalismo, a crise da ditadura militar e a ascensão dos movimentos sociais. Essas condições não vão se repetir. Então, se o sucessor do presidente Lula é o partido, o PT tem que estar forte e antenado às necessidades do povo brasileiro, a tudo aquilo a que a sociedade anseia em mudanças de políticas públicas que representem transformação na sua vida. E a legenda tem que estar organizada para construir tudo isso. Se formos esse partido que entende os seus desafios históricos, vamos construir a liderança que vai substituir o presidente Lula. Ela vai emergir naturalmente, desde que a sigla esteja efetivamente conectada e organizada com a sociedade brasileira.
Quando o senhor chegou pela primeira vez à prefeitura, nos anos 2000, havia uma onda de vitórias do partido pelo país embalada pelo “jeito petista de governar”. De lá para cá, no entanto, o PT retraiu no número de cidades que comanda e hoje governa apenas estados do Nordeste. O que houve? O PT sofreu ataques fortíssimos, principalmente na Lava-Jato, e depois o tempo foi mostrando que tinha muita mentira e muita armação entre Ministério Público e Judiciário. O PT foi vítima talvez da maior ofensiva que uma agremiação política já tenha sofrido na história brasileira. Foi um momento em que não se debatia o crescimento, mas sim a sobrevivência da legenda. Não tenho nenhuma dúvida de que vamos retomar o nosso número de prefeitos e vereadores e voltar a governar estados importantes.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955