Jornal da Unesp | Unesp se destaca pelo engajamento no campo da Química Verde

Jornal da Unesp | Unesp se destaca pelo engajamento no campo da Química Verde

Evangélicos

Marcos do Amaral Jorge

A Unesp tem fortalecido seu compromisso com uma química mais sustentável, capaz de contribuir para a preservação do meio ambiente e para a luta contra as mudanças climáticas, sem comprometer o papel fundamental que esta disciplina desempenha para nosso estilo de vida moderno. Desde 2019, a universidade destacou-se como a primeira no Brasil a se comprometer a implantar os princípios da chamada Química Verde, por meio da adesão ao Compromisso pela Química Verde, o chamado Compromisso de Química Verde. Agora, quase seis anos depois, as iniciativas vêm se multiplicando em diferentes câmpus, alcançando os âmbitos da pesquisa, da extensão e do ensino.

A aproximação com o conceito da Química Verde foi promovida pela direção do Instituto de Química da Unesp, câmpus de Araraquara, e efetivada por meio da adesão ao Compromisso, que é gerenciado pela ONG Beyond Benign. O documento firmado pelo Instituto estipula que seus signatários devem adotar práticas sustentáveis nos processos químicos levados a cabo na unidade e, principalmente, disseminar práticas verdes na formação de seus estudantes.

Em outras unidades da Unesp, iniciativas desenvolvidas por grupos de estudiosos e redes colaborativas trabalham esse tema por meio de artigos científicos e projetos de pesquisa que, de forma direta ou transversal, incorporam princípios sustentáveis em suas atividades. A partir da próxima semana, a Editora da Unesp também se junta ao grupo, graças ao lançamento em português de Química verdeo livro que estabeleceu os princípios da Química Verde e os divulgou para o mundo. Em português, a obra sai com o título Química Verde: Teoria e práticapreenchendo uma lacuna existente desde 1998, ano do seu lançamento original.

Uma das responsáveis ​​pela adesão da Unesp ao Compromisso de Química Verde e agora também uma das tradutoras do livro, Cintia Milagre, docente do IQ, celebra o engajamento da comunidade do Instituto e a valorização de práticas mais sustentáveis nas atividades. “A assinatura do compromisso foi um marco institucional para o IQ, pois sinaliza um empenho coletivo pelo tema, e não apenas ações isoladas, como ocorria nos últimos anos”, diz.

Disciplinas opcionais e obrigatórias

Milagre lembra que, desde 2023, o IQ oferece uma disciplina comum de Química Verde para alunos dos cursos de bacharelado em Química e Química Tecnológica. “Antes, havia apenas disciplinas optativas. Elas são importantes, mas costumam atrair aqueles alunos que já têm interesse no assunto”, diz. No próximo semestre, também será oferecida uma disciplina sobre Química Verde nos dois programas de pós-graduação da unidade. A disciplina envolverá um professor de cada departamento, para que o debate sobre esses conceitos se expanda para além das áreas de química orgânica e analítica, onde estão mais consolidados, e alcance todas as áreas da química. “A disciplina obrigatória incentiva todos a pensar criticamente e a demandar processos mais verdes nos departamentos”, explica ela.

A Química Verde também ganhou espaço nas iniciativas extensionistas desenvolvidas na unidade, aproveitando, principalmente, os debates em torno da curricularização da extensão promovidos em toda a Unesp nos últimos anos. Alguns desses projetos, realizados em escolas do ensino fundamental e médio da cidade, buscam, por exemplo, desmistificar a imagem da química como uma área exclusivamente ligada a substâncias tóxicas, mostrando que a preocupação ambiental, a busca por processos menos agressivos e o uso de compostos provenientes da biodiversidade brasileira também fazem parte do cotidiano do químico.

Pesquisa para diminuir resíduos

No câmpus de São José do Rio Preto, o professor Mário Henrique Gonzalez está à frente do Grupo de Inovação em Química Analítica Verde (GIQAV), que pesquisa modos de preparo de amostras para torná-las menos agressivas ao meio ambiente. “Desde 2018, nosso grupo tem trabalhado questões de sustentabilidade e Química Verde, relacionadas não só ao desenvolvimento de novos métodos analíticos, que visam diminuir o consumo de reagentes tóxicos, mas também à redução da geração de resíduos causados por esses solventes”, explica.

A Química Analítica é o ramo da química responsável, por exemplo, por identificar e quantificar os elementos que compõem uma amostra, recurso necessário em uma ampla variedade de áreas, como indústrias, aplicações médicas ou análises ambientais. Essa característica faz com que a Química Analítica desempenhe um papel fundamental no esforço geral de tornar os processos químicos menos agressivos ao meio ambiente.

Recentemente, Gonzalez teve um projeto aprovado na Fapesp para o desenvolvimento de uma nova classe de solventes que produzam menor quantidade de resíduos e apresentem menor toxicidade, destinada ao uso em processos de remoção de contaminantes em matrizes ambientais. “Neste projeto, também temos trabalhado com o uso desses solventes para modificar resíduos da agropecuária, como cascas de amendoim, arroz e café, transformando-os em membranas que poderão ser usadas em estações de tratamento de água e esgoto para remoção de contaminantes de preocupação emergente”, explica o professor. Entre esses contaminantes estão os retardantes de chama, também conhecidos como BPA, compostos que a indústria adiciona a diversos produtos para diminuir sua capacidade de inflamar, evitando incêndios. Embora desempenhem um papel importante na segurança do consumidor, esses compostos, quando descartados no meio ambiente, têm sido apontados como prejudiciais à saúde humana e ambiental.

Solventes naturais podem ser mais eficazes

Na Faculdade de Ciências da Unesp, câmpus de Bauru, o professor Daniel Rinaldo é um dos fundadores do Green Biotech Network, que reúne pesquisadores de outras unidades da Unesp, da Embrapa e de parceiros de instituições da Alemanha que atuam no desenvolvimento de métodos e estratégias mais verdes, como o uso de solventes naturais para a extração de compostos de matrizes naturais. “Esses solventes, por serem constituídos por moléculas naturais, são biodegradáveis e de baixa toxicidade. Além disso, apresentam alta capacidade de transporte de massa, o que nos permite usar uma menor quantidade de solvente natural quando comparado ao solvente convencional”, explica o docente do Departamento de Química da Faculdade de Ciências. Segundo Rinaldo, um solvente natural pode extrair uma quantidade de 3 a 4 vezes superior àquela obtida por meio de um solvente convencional mais tóxico, como o etanol ou o clorofórmio.

Em outra frente, pesquisadores da rede publicaram uma revisão no Jornal de Produtos Naturaisna qual analisaram o comportamento da comunidade global de cientistas da química de produtos naturais em relação à adoção dos princípios da Química Verde, além de discutir iniciativas inovadoras que vêm sendo adotadas por esse grupo de químicos. Para isso, foram selecionados artigos de 1990 a 2019 para análise dos procedimentos experimentais utilizados, especialmente no que diz respeito ao uso dos solventes.

Os autores concluem que houve um forte alinhamento da comunidade com as práticas de Química Verde ao longo das últimas décadas, com avanços significativos principalmente na fase da extração de matérias-primas e na redução do uso de solventes considerados altamente perigosos, como éter dietílico, benzeno e tetracloreto de carbono, que praticamente não aparecem nas amostras a partir de 2010. Já os procedimentos de purificação, que envolvem o isolamento e a separação dos compostos de interesse, não seguiram o mesmo padrão sustentável, com o uso frequente dos solventes clorofórmio, diclorometano e hexano.

Para os autores, embora alguns avanços tenham sido alcançados, acredita-se que a comunidade de químicos de produtos naturais pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de um novo paradigma ecológico na química. Nesse sentido, a substituição de métodos laboratoriais por versões mais sustentáveis deve considerar não apenas o impacto ambiental, mas também a viabilidade econômica. Uma das sugestões do artigo é que laboratórios com maior poder aquisitivo assumam o protagonismo desse movimento. Ainda assim, muitos dos esforços discutidos no artigo, explicam os autores, não implicaram em aumento de custos, demandando apenas uma mudança de atitude dos pesquisadores em prol da sustentabilidade. Por fim, o artigo propõe uma série de recomendações para que a química de produtos naturais se alinhe ainda mais às práticas de Química Verde.

Editora lança obra fundante da área

O esforço dos pesquisadores brasileiros em direção ao uso de insumos e métodos laboratoriais menos agressivos ao meio ambiente e à saúde humana ganhará um importante reforço a partir da próxima segunda-feira, dia 9, com o lançamento do livro Química Verde: Teoria e práticapublicado pela primeira vez em 1998 e que se tornou um material de referência em todo o mundo para profissionais interessados na prática de uma química mais sustentável.

De autoria dos químicos norte-americanos Paul Anastas e John Warner, o livro é voltado para estudantes de pós-graduação, profissionais e pesquisadores e detalha, de forma clara e acessível, os princípios da Química Verde, orientando o leitor sobre formas de projetar, desenvolver e avaliar metodologias mais ambientalmente adequadas, comparando-as com métodos convencionais.

Cintia Milagre diz que os pesquisadores brasileiros que trabalham com a Química Verde se ressentiam da falta de uma tradução da obra. “Na pós-graduação, isso não chega a ser um grande problema. Mas, na graduação e nos cursos técnicos em química, a barreira linguística existe e ainda é altíssima. A maior parte desses alunos não domina o inglês em um nível adequado para o estudo”, diz ela, que assina a tradução ao lado de Dulce Helena Siqueira Silva, professora-titular do IQ, e da química Juliana Vidal, vinculada à organização Beyond Benign.

“Em sala de aula, temos recorrido a artigos científicos, revisões ou outros materiais sobre o assunto. Acredito que o livro original terá um impacto muito significativo na área de Química Verde, e isso será observado nos próximos anos”, celebra.

O lançamento oficial do livro acontecerá na segunda-feira, 9 de junho, durante a 48ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, em Campinas, e contará com a presença de um dos autores, John Warner, que também irá proferir uma palestra, que terá apresentação da docente da Unesp. E, a convite dos organizadores do evento, Cintia Milagre também irá ministrar, em outra data, uma conferência para apresentar o tema aos participantes do Congresso.

Imagem acima: Depositphotos

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